sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Memórias da Vida Ideal #3

Quando menos esperava, a cabeça caía no travesseiro, e que dia! O jovem parou e pensou, tentando lembrar. O dia era longo e começava naquela aula, aquela do professor angelical. Tão angelical e mas ainda menos quando sua nova amiga. Ainda não sabia seu nome, mas conhecia detalhes indescutivelmente relevantes sobre ela. As gotas de sinapses e dendritos ainda caiam de suas sapatilhas quando eles andaram no parque, ou na praça, ou ainda naquele canteiro, ele não se lembrava bem.

Nosso herói forçou a memória para ouvir os belos lábios repetirem o nome, mas nada além da voz de trombeta celestial enchia os seus ouvidos. Ele se sentou na cama, de repente sem vontade de dormir. Como um gato ou quem sabe, um ninja, esgueirou-se pela casa, colocando uma camiseta enquanto saia. Trouxe a sua eterna escudeira e companheira de atraso, Ermengarda.

Era uma noite surpreendentemente clara, mas não havia postes na rua. Eles haviam sido removidos, e quando ele olhou para baixo, não viu nada além do reflexo metálico da Via Láctea em sua montaria. Quem havia tirado os postes da rua? E se houvesse algum buraco no asfalto? Que asfalto? Ele logo notou que pedalava sem rumo, mas sem preocupação, por sobre uma pista de madeira, polida e vinda das árvores que não sentiriam falta de suas entranhas nodosas. O chão era liso e não enfrentava resistência ao caminhar de Ermengarda.

O céu se movia sobre sua cabeça, mostrando as facetas mais longínquas do Universo próximo. Os planetas pareciam tão distantes quanto a mão poderia alcançar. Em algum lugar, as corujas demonstravam seu contentamento com a caça noturna, piando com alegria, mas ainda em tom ameaçador. Algumas voavam por perto, e parecia nítido o que diziam, mas era impossível entender. Eles pararam para observar a paisagem escura, e se sentiram parte daquilo e do nada. Tudo era trevas e tudo era luz. Era a noite, sem postes, sem asfalto, sem rumo ou vento.

O despertador o acordou, e ele foi ao banheiro escovar os dentes.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Os dias

E o sol atrás das montanhas
E a lua por sobre as nuvens
E o relógio mostrando a face
Que olhei quando acordava

As estrelas já piscando
As corujas vão piando
As horas se arrastando
Que fazia tempo não contava

Essa insônia que não tem nome
Esse sonho que se repete
Esse cantar do galo atrasado
Que triste dia começa assim

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Noite

Toda a noite
Todas as noites
Manhãs e noites
Dias e noites

O cheiro de café
Combina com a noite
Quente e sedutor
Fria e sedutora

Linda e misteriosa
Daqui a pouco, de manhã
Se eu fizer seu café
Posso te chamar de noite?

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Queria te dizer que eu sonho

Ei você!
Sim, estou te olhando
Desculpe se fui rude
Ou até indelicado

Mas agora que te chamei
Também queria te dizer
E se não deu pra perceber
Mas em você eu gamei

Sonhei com seus pés no meu colo
Sonhei em perder tardes com você
Sonhei em ver seu sorriso de perto
Sonhei com seu cheiro nas minhas roupas

E a cada dia que sonho
Sonho com você e ninguém mais
Ainda que eu sonhasse sem querer
Nesse sonho, sonharia com você

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Memórias da Vida Ideal #2

Com a nuca já queimada de sol e Ermengarda a corcovear sob ele, o jovem ergueu o sorriso jubiloso à garota, que estava do outro lado da rua. Ela fingiu que não viu e olhou na direção do namorado que segurava a pequena mão entre os dedos de salsicha. Os olhos apaixonados da moça se arregalaram ao ver os neurônios do moço saindo pela orelha e escorrendo pelo pescoço musculoso.

O líquido cinzento começou a sair em jatos, fazendo a namorada se afastar um pouco, enojada. Aparentemente, o musculoso havia tentado falar, respirar e andar ao mesmo tempo. O pobre e atrofiado cérebro se reduziu à matéria constituinte, perdendo forma. Felizmente, o volume no crânio do jovem era pequeno, e os jatos logo acalmaram.

O Cavaleiro de Ermengarda havia parado para assistir a cena dantesca. Um grupo de pessoas próximas começou a pegar poças de dendritos, axônios e sinapses em conchas com as mãos, para então tentar jogar tudo de volta à caixa de armazenamento do musculoso. A namorada se afastava, soluçando com o sonho de um namorado lindo, bombado e popular destruído.

O Cavaleiro encheu o peito, ergueu a voz e chamou pela senhorita. Ela exclamou, aproveitando a oportunidade para fugir do ex-namorado aos pulinhos. A Lua cheia surgiu por entre as montanhas, enquanto agora apaixonado casal se beijava, sob os raios prateados. Eles eram jovens e a Lua estava alegre.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Queen - Under Pressure

Under Pressure by Queen on Grooveshark

Pressure pushing down on me
Pressing down on you no man ask for
Under pressure - that burns a building down
Splits a family in two
Puts people on streets
that's o.k.

It's the terror of knowing
What the world is about
Watching some good friends
Screaming 'Let me out'
Pray tomorrow - gets me higher
Pressure on people - people on streets
O.k.

Chippin' around
Kick my brains around the floor
These are the days it never rains but it pours
People on streets
People on streets

It's the terror of knowing
What this world is about
Watching some good friends
Screaming 'Let me out'

Pray tomorrow - gets me higher high high
Pressure on people - people on streets
Turned away from it all like a blind man
Sat on a fence but it don't work
Keep coming up with love
but it's so slashed and torn
Why - why - why ?
Love love love love love

Insanity laughs under pressure we're cracking
Can't we give ourselves one more chance
Why can't we give love that one more chance
Why can't we give love give love give love give love
give love give love give love give love give love
'Cause love's such an old fashioned word

And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And loves dares you to change our way 
Of caring about ourselves
This is our last dance
This is our last dance
This is ourselves

Under pressure
Under pressure
Pressure

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Memórias da Vida Ideal #1

O relógio apitou mais uma vez. Do outro quarto, veio uma batida na parede e um grunhido abafado. A terceira pancada acordou-o. Ele abriu os olhos e resmungou, enquanto a cama chamava-o de volta com sua voz adocidada. Ele se desvencilhou dos braços do lençol e tentou caminhar enquanto cambaleava até a janela. Abriu uma fresta da cortina e sentiu o tímido sol de outubro aquecer seu rosto. Era o primeiro dia do mês.

Ele esticou o braço e desligou o celular. Eram 8:25. A aula estava no auge. Ele foi até o banheiro, escovou os dentes. Colocou um short, uma camiseta e saiu pela porta do quarto. Andou pela garagem e pegou sua querida Ermengarda. Abriu o portão branco e sentou sobre ela. Ela era linda. Negra, suas curvas poderosas seguravam um belo par de rodas aro 17. Era o suficiente para disfarçar a total falta de freio ou as marchas duras. Juntos, eles sonhavam em viajar o mundo. Sair da Patagônia e quem sabe um dia bater a mão na parede da casa do velho Nicolau.

Em questão de minutos, lá estava ele, prendendo Ermengarda num poste sujo qualquer, e dando um tapinha de despedida em seu traseiro. Entrou na sala e viu a bela cena a sua frente. Um ou dois rostos virados para si, mas o mais lindo estava logo ali. Ela olhou para ele, sorrindo. Seu perfume era sentido de longe. Ele acenou para ela e logo se encontraram. Aquela era a carteira mais confortável da sala e estava ali, todinha para ele. 

Sem se ater à timidez, largou a mochila no chão e jogou-se sobre sua amada carteira. A cantoria inabalável da Aula de Alguma Coisa já havia começado. A voz do professor era considerada canto lírico pelos próprios anjos. Era um convite à Morpheu, que já flutuava pela sala, empunhando seu pó mágico. Alguns já caíam sobre o efeito do canto angelical. Ele não demorou muito para repetir o gesto de homenagem de seus colegas àquela bela estrofe.

Seus olhos se abriram com o tumulto de pessoas andando ao seu redor. Ele pegou sua mochila, olhou para o celular e saiu da sala. Ermengarda corcoveava de emoção em ver seu dono. Ela deu adeus ao poste sujo. O rapaz montou sobre sua companheira e sumiram no horizonte vespertino. O dia ainda tinha muito a oferecer, muitos amigos a visitar. O sol aquecia sua nuca e ele era jovem.