Pela última vez, ela entrou no ônibus. Ela agradeceu que naquele dia, estava mais vazio, para que pudesse vê-lo entrando pela porta.
Ela já imaginava a cena. Estaria perto da janela, vendo-o dar sinal do lado de fora, daquele jeito despretensioso. Na verdade, o que ela mais gostava era de ver outra pessoa chamando o ônibus enquanto ele apenas esperava encostado em um poste, com olhar perdido em pensamentos, as mãos nos bolsos.
Enquanto a máquina encostava para pegar os passageiros, ela abriria o livro, arrumaria o cabelo e abaixaria a cabeça. Os olhos se levantariam somente quando ele também estivesse olhando.
Cruzar os olhares, admirar as jades brilhantes que a miravam. Sentir, pelo menos em imaginação, como seria aquela voz sussurrando “com licença”, sentir o toque de seu peito enquanto passava pelo corredor.
Ela sentiu o rosto ficar vermelho. O que estava pensando? Era só uma viagem de ônibus de vinte minutos. Decidiu pensar em seu namorado e esticou o braço para pegar o celular e desejar bom dia ao amado.
Mas antes que pudesse fazê-lo, lá estava ele, entrando no ônibus. Pegando a carteira, passando a catraca, encarando-a sem sorrir. Mas era sem sorrir mesmo? Hoje ele sorria. Um cantinho da boca indicava que seria um bom dia.
De repente o ônibus deu uma freada brusca, e ele se lembrou de quem era. Ele era ele, e não era ela. Ela lia seu livro, ela mexia no celular. A aliança no dedo. Se olhasse para ele uma só vez, já seria muito.
Seria só uma viagem de vinte minutos. Ele pensaria na namorada enquanto o ônibus encostava para pegar passageiros. Mesmo que ele arrumasse o cabelo, olhasse para lá e para cá. Talvez se sorrisse?
Mas ela não sorriria, não olharia e ele não encontraria as preciosas esmeraldas. Ele agradeceu que o ônibus estava vazio e caminhou até ela, pela primeira vez. Disse “com licença” e depositou o pequeno bilhete sobre as mãos dela.
Sorriu levemente e ela também sorriu. Ele encontrou suas tão desejadas esmeraldas.
Ele saiu do ônibus, pela última vez, um ponto antes do seu e do dela. Caminhou pela rua, despretenciosamente. As mãos nos bolsos.
Pela última vez.
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